domingo, 15 de março de 2009

Obsessões

Como sopa de letras que flutuam no espaço sideral algumas das minhas obsessões constroem palavras, constelam imagens. Não chegam a tormentos, mas me acompanham desde os primeiros raios solares que atravessam as frestas das janelas às últimas marcas da parede engrecida pela escuridão que em minha consciência entram.
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Ali tem sempre uma criança que quem passa e vê o mundo pela janela de um carro se engana. Quando vê? Não é pelo bico que rolou na sarjeta qu'ela está em lágrimas. Seu choro é mais doído. É o de estômago corroído pelo grástrico ácido que não tem o que digerir.
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Ali tem sempre um velho atirado quase duzentos anos no tempo, saído de um quadro de Debret. Dá pra ouvir as correntes cingindo desde um porto da África em um tumbeiro, até ancorar seus pés que atravessarão a vida descalços sem jamais pisar em terra que não seja propriedade privada. Serão trocados, transados, açoitados no grande cassino globalizado até serem abatidos sem passar pela engorda.
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Ali tem sempre uma mãe arrasada por um filho que a enchurrada ofertou pra Iemanjá. Sacrifício maldito que não agrada nenhum orixá, mas serve bem ao espetáculo: Todos fingem pasmados e se compadecem na imagem reproduzida e comentada por mais um charlatão que vende a verdade no veículo da mentira. E ninguém desce do automóvel pra meter o pé na lama, que misturado com merda, urina e outros detritos é o "playground" da cólera, barriga d'água, leptospirose e do funeral de inúmeros "natimorto" que nem provaram a inércia que traficantes de escravos transformaram a vida. Quando descem vão fazer turismo, pesquisa, show televisivo com chamadas explosivas. Experiências sensitivas no marca passo controlado do relógio. Tudo é espetáculo e teatro. Estas palavras não são minhas, mas se tornaram tão verdadeiras que fazem do seu autor um profeta.
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Poderia continuar ainda inúmeros parágrafos só expondo as minhas obsessões, mas não prossigo. Apenas os deixo com um dos meu inversos, mais uma das minhas obsessões.
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perduram invencíveis senzalas
sob o ornato de outra fachada
quem morar o teu rosto no muro
ouvirá que não cala a tortura
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ao contrário soam aos berros
as correntes que aram a terra
o açoite que rasga o vento
o repouso da bala no peito.
(2008/08 - Alek Sander de Carvalho)

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