Imóveis ociosos, população sem moradia
Cidade possui 230 mil imóveis vazios e ao menos 130 mil famílias sem ter onde morar; região central tem explosão do preço do imóvel
05/10/2012
Aline Scarso,
da Reportagem
da Reportagem
Segundo o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), em São Paulo os sem-teto representam uma população de centenas de milhares de famílias trabalhadoras com renda entre zero e três salários mínimos, que moram nas ruas, favelas, ocupações, cortiços ou na periferia em áreas de risco e sem regularização fundiária. Precisam substancialmente da ajuda do governo para financiar moradias. “Quando falamos em sem teto, nos referimos a pessoas que têm seu direito constitucional de moradia digna negada. Trabalham, em sua maioria, no setor informal em funções mal remuneradas”, explica Brian Mier, integrante do FNRU.
De acordo com Osmar Borges, coordenador da Frente de Luta por Moradia (FLM), a cidade possui 230 mil domicílios vazios, sendo 40 mil no centro expandido. “Isso são dados do próprio IBGE. Ou seja, só o centro expandido poderia receber 40 mil novos inquilinos se existisse uma política adequada para trabalhar com os imóveis vazios, dando uma função social para eles”, ressalta.
Despejo de famílias no centro de São Paulo - Foto: Marcelo Camargo/Abr |
Morar no centro da cidade garante às famílias acesso a trabalho e a serviços públicos como escolas e hospitais. Conforme lembra Juscilene Pereira dos Santos, moradora da ocupação São João, desde que mudou da periferia para o centro, a vida da família está bem mais organizada. “Aqui é tudo mais fácil. Minha filha saiu do emprego em um dia e no outro, já estava trabalhando em um melhor. É muito mais fácil ir a um médico também. Na periferia você fica dois, três meses para passar por uma consulta de rotina. Aqui você vai ao posto de saúde, marca consulta e depois de três dias já pode retornar. Encontrar vagas nas escolas também é mais tranquilo”.
Apesar da boa infraestrutura, está cada vez mais difícil ao trabalhador de baixa renda conseguir permanecer na região. Conforme pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com a ZAP Imóveis, entre janeiro de 2008 a novembro de 2011, o preço médio do metro quadrado valorizou 119,3% no bairro da Sé, 128,8% no Bom Retiro, 129,2% na República, 133,9% na Santa Efigênia. Nesses bairros centrais o preço médio do metro quadrado de um apartamento custa entre R$ 3 mil a R$ 4 mil. Um aluguel de um apartamento de 40 metros não sai por menos de R$ 1.200. O valor de um quarto em um cortiço da Rua Conselheiro Nébias, no bairro Campos Elíseos, custa, por exemplo, R$ 500.
“Para uns, o centro é local de trabalho e um meio de vida, para outros, um meio de extração de lucro e renda. O capital imobiliário não convive com núcleos de pobreza porque esses núcleos impactam o preço do metro quadrado. Só que ele não tem a competência de tirar a pobreza do centro, não tem o papel de polícia, quem tem é o Estado”, argumenta a urbanista da Universidade de São Paulo (USP), Ermínia Maricato.
Interesses distintos
Ermínia chama a atenção para a falta de políticas públicas que privilegiam a habitação de interesse social na região. Há, em contrapartida, investimento municipal nas chamadas políticas de revitalização, que vão desde a recuperação de museus ao lançamento de megaprojetos urbanísticos como o Nova Luz, na região da Santa Ifigênia – que deve atingir um enorme contingente de moradores de baixa renda e trabalhadores do comércio popular.
Para os trabalhadores despejados, a principal política municipal tem sido o pagamento do bolsa-aluguel no valor de R$ 300 por dois anos. E se depender dos maiores financiadores das eleições municipais em São Paulo, as construtoras, a lógica de fazer prevalecer os interesses do setor não deve mudar. De acordo com as prestações de contas parciais divulgadas pela Justiça Eleitoral, somente a construtora OAS doou R$ 1.750 milhões às candidaturas de Fernando Haddad (PT – R$ 1 milhão) e José Serra (PSDB – R$ 750 mil).
Para o integrante do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), Brian Mier, a associação dos candidatos com o setor deve resultar em novas construções populares na cidade, mas não necessariamente deverá garantir o direito à cidade. “Precisamos de mudanças radicais para ter construções que respondam aos desejos dos moradores e não à lógica do mercado. Nem todo mundo quer morar em apartamentos de 38 metros quadrados sem quintal, sem espaço para família crescer, a duas horas de ônibus do lugar de trabalho”, pontua.
Segundo os analistas, somado à vinculação dos políticos ao setor imobiliário nas eleições municipais, está a manutenção dos projetos imobiliários iniciados pela administração do prefeito Gilberto Kassab (PSD), a falta de planejamento urbano a nível estadual e federal, e o esforço dos governos para oferecer uma boa imagem de São Paulo durante a realização da Copa do Mundo, em 2014.
Brian ressalta ainda que há iniciativas como a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social pelo governo federal como respostas às pressões das lutas urbanas. O fundo é usado para apoiar a formação de mutirões de construção autogestionária e foi incorporado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Atualmente na periferia de São Paulo estão sendo construídas 15 conjuntos habitacionais pela União Nacional por Moradia Popular a partir do fundo.
“Mas nós do FNRU temos várias criticas sobre o programa e no dia 14 de junho nos reunimos com a presidenta Dilma Rousseff para cobrar a cessão de áreas públicas. Tivemos poucos resultados concretos sobre a questão de conversão dos milhares de prédios vazios em São Paulo para moradia popular”. Outro problema, segundo ele, é a retenção dos recursos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) pelo governo estadual, que não está repassando 1% do ICMS à habitação.
“O governo não está fazendo o papel dele. Ele trabalha mais para a alta sociedade, e contra a baixa e média sociedade. Eles não veem a gente, não querem fazer valer o nosso direito, que é obrigação deles, que é lei”, defende o morador da ocupação São João, Rogério Gerôncio da Silva. “Chega essa época de eleição e eles vêm correndo atrás da gente. Ficam prometendo o céu e a terra, mas depois dão uma de esquecidos”, argumenta.
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