quinta-feira, 8 de maio de 2008

A Democracia como Farsa e Tragédia

Foto tirada em 1988. Detalhe: 100 anos da abolição?
fonte: FSP
Comentário de um leitor à FSP
Navio negreiro"Nem entro na questão de se o Bope é o "SBP" da sociedade fluminense, como afirmou o coronel Marcus Jardim (Cotidiano, 16/4). Mas que as fotos que a Folha publicou dos "insetos" capturados pela polícia poderiam muito bem vir com a legenda "navio negreiro", isso poderiam. Castro Alves soa hoje mais atual do que nunca." Daniel Dalmoro (Campinas, SP)
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Ainda há pouco, na distância de umas semanas de um mês que já passou, ficaram registrados alguns episódios que expuseram a verdadeira face da piada de democracia que acreditamos piamente dá a tônica pra nossas vidas políticas e relações sociais. E por vezes, não poucas o bom observador que cobra responsabilidade do sentido de olhar não se surpreenderá com o sem número de vezes em que a máscara democrática cai e mostra o seu rosto nu.
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Tenho comigo que esta farsa, ato de uma tragédia maior, como fumaça se dissipa rapidamente ao sabor do menor movimento de fuzis, tanques, tropas de choque e grupos de extermínio. Em verdade esta perspectiva surge pra mim como uma das verdades incontestáveis do nosso tempo.
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A democracia dos nossos tempos dá a tônica às relações políticas e sociais somente na medida em que demandas sociais organizadas em suas ideologias e ações, em torno daquilo que é justo, não incomodam o poder. Como concessão nota-se, então, a democracia permitida com muito custo pelo poder econômico e político, pois dividir, travestido sob a indumentária cutânea da farsa, o mesmo espaço de convivência com àqueles a quem dirigem um olhar de menosprezo, é como uma espécie de martírio ou ritual de auto-sacrifício.
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Em outras palavras, a cultura autoritária que organiza pensamento e ações só dá lugar a cultura democrática como indumentária. Não faz parte da matéria dos poderosos e de parte predominante da sociedade brasileira. É uma artificialidade exibida como ticket de ingresso nas impressões tidas como verdadeiras de um mundo ocidental, civilizado e exterior ao nosso, mas que inexiste aqui e tão logo lá. O que, é claro, não intimida o nosso culto fervoroso e fiel ao consumismo antropofágico e importador da noção de que tudo que vem de fora é melhor, então porque não importar identidade? Mais grave é que noto que a identidade buscada e imitada no outro só tende a sofisticar ainda mais os intrumentos de repressão em mãos do poder econômico que é político por estas terras.
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Enfim, quando o subalterno, o miserável, o negro, o favelado, o mendingo, o pede esmolas, o nordestino, o reclama-dor, o vende balas do metrô, enfim quando o pobre incomoda, cobra o dever do Estado para com a sua sociedade, dada a amnésia com o social que lhe assola desde a origem, o poder, a cultura repressiva mostra a sua presa. O autoritarismo é autorizado. A fraude democrática se dissipa e sua máscara deixa de adornar e esconder para por explícita a face da repressão. Os fuzis caminham nas ruas, invadem, esmagam casas, agridem, exterminam, massacram, chacinam sem freios éticos ou morais. Daí vem o golpe de 1964, as execuções no ano de 1968, Serra dos Carajás, Chico Mendes, Candelária, Favela Real-Parque, Haiti, Iraque, a CIA na Bolívia, etc etc etc.
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Ditadura à conta-gotas
É certo que nunca deixamos de viver em uma ditadura. Enganam-se aqueles que enxergam o ano de 1989 como um ano em que abandonamos o pau-de-arara. Assim, ao tom de mais uma campanha publicitária, em verdade nos inscrevemos na democracia moderna, num misto de produto nacional com ares de sofisticação euro-estadunidense, cujo prazo de validade é uma peculiaridade a ser notada, embora não acredite seja ela específica ao nosso tempo e espaço. Assim, tão verdadeiro é que se não somos perseguidos é porque não incomodamos mais o poder econômico que é político. Quando incomodamos sobra cacete.
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Triste constatação que me deixa em estado depressivo, pois perdemos a potencia de incomodar efetivamente e, por conseguinte, o prestígio que tínhamos frente ao inimigo. Sequer somos dignos de respeito, daí que ultimamente tem passado tudo de pior em se tratando de legislação e ações institucionais. Pois se perdemos a capacidade de transformar o mundo, não mais ameaçamos. Não acuamos. Perdemos também a ânsia de experimentar. Nos apegamos mais a impressão de estabilidade vendida pelos anúncios publicitários. Tão pior como, é este nosso incômodo também com prazo de validade: daí dá-lhe passeata, dá-lhe primeiro de maio, dá-lhe dia da consciência negra, pra no final do dia tirar o nike
do par de meia sujo do
pé de um sujeito não
tão limpo que se arrasta até
o chuveiro de um banho de
água quente pra cair sem
exame de consciência no
abraço dos seus lençóis.
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A medida em que nos é conveniente a trágica farsa
Enfim, nunca vivemos uma democracia plena, tal como a concebemos idealmente. Tenho dúvidas que a humanidade tenha vivido tal processo em algum tempo histórico, no entanto, me parece difícil não reconhecer que mesmo sôfrego, este ideal perdura em farrapos para nos proteger da sede sanguinária dos fuzis, trégua esta que tem prazo de validade.
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Só ai vejo a medida de sua conveniência, na medida em que nos preserva, dado que na pratica nem o Brasil, nem as Américas, tampouco Cuba ou mesmo a "civilização" européia ou estadunidense são democracias, tal como os movimentos sociais concebem idealmente.
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É preciso ter em conta que a democracia na prática dos poderes econômicos que fazem a política, não é outra coisa senão um recurso estratégico fundamental como forma de tornar predominante dentro do parlamento uma presença que quantitativamente é insignificante fora do parlamento. Mais do que isso a noção de "maioria" organizada dessa forma, sob o alarde de muito espetáculo, evidentemente, tende a pormenorizar, amenizar as demandas sociais, o que, para o efeito de uma análise final sempre destoa, em consequencia e após negociação com os mediadores do poder, da pauta de reivindicações original. Isso quando tais pautas não são sumariamente recusadas ficando por tempos relegadas ao exterior do parlamento. De uma forma ou de outra este Deus mediador que se encerra em si, ou seja, para o fim de seus interesses particulares, se auto-atribuíu do sobrenatural poder de orientar destinos; ou melhor, a maioria dos diversos Deuses de diversas religiões partidárias, mas no fim todos iguais como sócios de um mesmo negócio, acabam por sempre entrarem em comum acordo, para não ferirem uns os ganhos dos outros. Alguém aí falou de Reforma Agrária, Distribuição de Renda?
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Não. Não sejamos ingênuos. Essas demandas jamais entrarão em alguma pauta de discussão para se tornarem políticas públicas, pois sequer como devaneio o Estado pretende realizar aquele que deveria ser seu objetivo. Entoo a mesma ladainha de textos anteriores: Não é possível convencer a quem tem renda que venha a distribuir a sua renda. Tampouco não basta inverter a ordem. É preciso, isso sim, arrasar com a ordem. O Estado é "burguês" como já nos alertou há tempos Marx e este não pretende realizar outra coisa senão as demandas do poder econômico. E para o mesmo sendo tudo mercadoria, porque não negociar, amenizar, descaracterizar pautas sociais.
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Deste modo a democracia não é nada mais para o poder senão um recurso estratégico fudamental para amenizar as tensões negociando os anseios populares com o intuito de pormenorizá-los e, assim, sequestrar os instrumentos e os recursos de exercício político, centralizando-os, para que, o ciclo não só inicie com a atividade de sua classe, como também nela se encerre.
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Para concluir: tripudiando sobre a nossa impotência
Mas porque comecei com este falatório todo? Como dei o ponta-pé no início do artigo, a minha motivação decorre sempre minha ânsia em desmerecer, desqualificar o poder que nos reprime. Como disse por vezes a máscara (me valendo descaradamente desta metáfora de Octavio Paz) democrática cai. Daí vem à tona o seu rosto. O bom observador notará que ela é mais comum do que se imagina.
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Deixo-lhes com 2 episódios quase simultâneos e ocorridos no mês de abril. O primeiro é a condenação de um recém apossado no superior Tribunal Federal, Gilmar Mendes, homem que como os de sua ocupação julgam e intereferem naquilo que fora legislado. O outro, homem que "executa" a lei em todos os sentidos possíveis, Coronel Marcus Martins, do BOPE esquadrão homenageado por aquele filmeco facista Tropa "da" Elite de um diretor medíocre e vencedor do urso:
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24/04/2008 - 14h24
Presidente do STF condena movimentos sociais por invasão e destruição de propriedades
EDUARDO CUCOLO da Folha Online, em Brasília.
O novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, que tomou posse ontem, criticou hoje a invasão de prédios públicos e a ação de alguns movimentos grevistas.Mendes, que também é professor da UnB (Universidade de Brasília), citou a invasão da universidade como um exemplo de ação que contraria, segundo ele, o Estado de Direito."Impedir o funcionamento da reitoria, eu já disse, não me parecia correto. E falo isso com a autoridade de professor da UNB", afirmou.
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Ele também movimentos sociais que invadem propriedades privadas --como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "Isso vale para qualquer movimento. Se for invasão de propriedade, destruição de bens, impedimento de afazeres de órgão públicos, já ultrapassou os limites que a Constituição estabelece."
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Ele afirmou que nem mesmo reivindicações de caráter "divino" podem utilizar desses meios. Para ele, os protestos são legítimos, mas não podem comprometer os serviços públicos."Se isso esteve em algum momento num quadro de normalidade, é porque nós incorporamos o patológico à nossa mente", afirmou. "Eu não posso ter uma repartição pública impedida de trabalhar nem por um dia."
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O que eles disseram "A PM é o melhor inseticida contra a dengue. Conhece aquele produto, [inseticida] SBP? Tem o SBPM. Não fica mosquito nenhum em pé. A PM é o melhor inseticida social"
CORONEL MARCUS JARDIM, comandante de Policiamento da Capital, após nove supostos traficantes do Rio terem sido mortos em ação da PM
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Nove morrem em ação do Bope; coronel diz que PM do Rio é "o melhor inseticida social"MALU TOLEDODA SUCURSAL DO RIO.
Em operação classificada por coronel da Polícia Militar como "inseticida social", nove supostos traficantes foram mortos ontem durante incursão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) na Vila Cruzeiro, na Penha (zona norte). Quatorze homens foram presos e seis ficaram feridos no confronto.A operação com 180 homens foi comandada pelo Bope, que manteve parte do efetivo na favela. "Amanhã [hoje] o pau na vagabundagem continua", disse o comandante de Policiamento da Capital, coronel Marcus Jardim. "A PM é o melhor inseticida contra a dengue. Conhece aquele produto, [inseticida] SBP? Tem o SBPM. Não fica mosquito nenhum em pé. A PM é o melhor inseticida social", disse, rindo.
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Um dos objetivos da operação, segundo a PM, era destruir barricadas feitas pelo tráfico. O 16º Batalhão da PM (Olaria), responsável pelo patrulhamento da área, teria recebido queixas de moradores que encontraram dificuldades para levar familiares a hospitais para tratar de doenças como a dengue. "O objetivo era desobstruir esse acesso principalmente em razão da dengue. As pessoas estão com dificuldade para procurar ajuda no Hospital Getúlio Vargas e na tenda de hidratação", disse o comandante-geral da PM, coronel Gilson Pitta.
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A polícia tinha ainda como objetivo cumprir "cerca de" 15 mandados de prisão e localizar pontos de venda de drogas. O Comando Vermelho comanda as bocas de fumo na região.O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirmou que os nove mortos na operação não se renderam e reagiram à ação da PM."Quem quiser se render -e deve se render- é preso. Aqueles que resistiram de maneira injusta à atuação da PM, aconteceu o que aconteceu [foram mortos]", disse.Foram apreendidos na Vila Cruzeiro uma metralhadora, cinco pistolas, três fuzis, uma submetralhadoras e cinco granadas, além de drogas.
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A operação começou por volta das 9h com cem homens do Bope com rostos pintados de preto. Segundo a polícia, foram retiradas barricadas em cinco ruas. Oito escolas foram fechadas durante a troca de tiros. Quatorze homens foram presos no depósito de um supermercado na região. Entre eles está um homem identificado pela polícia apenas como Chininha. Segundo agentes, ele seria o responsável pela morte do policial do Bope Wilson Santana, em 3 de maio.
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Sem mais
Carmesin

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