sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Que o peão coma o rei!

"Aqui termina o Estado colonial. Acabou o colonialismo interno e externo. Aqui também terminou o neoliberalismo, assim como as riquezas naturais da Bolívia não serão mais propriedade de alguns senhores, mas de todo o povo boliviano".
Evo Morales em pronunciamento após o referendo que disse "Sim" para a nova Constituição Boliviana. O "Sim" venceu com 61,5% dos votos ante 38,5% do "Não"; em 5 dos 9 departamentos, inclusive em Chuquisaca, provícia com o reduto mais reacionário e golpista ao governo Morales, Sucre.
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Então que sejam mais do que palavras de uma liderança alçada em conta de um processo classificado como democrático para a gerência do Estado de inspiração iluminista e caráter burguês. O processo boliviano sem dúvida chama a atenção daqueles corações apaixonados que bebem na velha tradição libertária e não por acaso também alimenta minhas células. Em nossas consciências perduram aqueles homens, quase na sua totalidade mártires, que transitaram da idéia para ação. Explosão fabulosa e criadora, marcaram gerações com a materialidade resultante de seus atos. Alguns degeneraram-se é verdade, mas todos ainda conservam um mesmo traço: o anseio por liberdade e justiça social.
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E a Bolívia?
Assim, é impossível não soar positivimente e não importa o distanciamento o qual me encontro do decorrer cotidiano dos episódios da vida política boliviana, dado que talvez permitiria a mim uma maior precisão em minhas constatações. Enfim, somente a bizarrice neoliberal, elemento presente na consciência da grande maioria dos nossos midiáticos e globalizados deformadores sociais, é capaz de condenar um governo que nacionaliza setores explorados por multinacionais que exportam todos os lucros para as suas filiais, tal como, condenar um governo que legitima o povo como senhor do seu destino e mais que isso considera-o apto, são, para decidir sobre os próprios rumos do país.
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Mais que isso a Nova Constituição votada em REFERENDO, não só dispensou a elite política do poder decisório que tradicionalmente preserva em outros Estados multi-nacionais, como foi além, horizonte só possível em plebiscitos, dada a equalização mais adequada aos interesses da maioria. Tanto é assim, que seria um precendente impossível em "democracias" como outras e a nossa, cujas proporções representativas em nada se equivalem aos estratos sociais, optar por uma reforma agrária que estipula nos termos da lei o enxugamento do latifúndio para 5 mil hectares. Como ao que tudo indica, a democracia boliviana é de outra natureza muito diversa da nossa, 80,7% dos eleitores bolivianos escolheram definir a propriedade da terra nestes termos. É óbvio que "hectares", para um cidadão urbano como eu parece uma linguagem de qualquer espécie menos humana, mas me parece um salto e tanto quando se toma em conta que existem propriedades na Bolívia na ordem de 100 mil hectares.
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Não por acaso o incômodo de ter um povo ativo só recaí sobre a elite política, que se reveste de nacional, mas em seus quadros quando não comporta elementos diretos envolvidos com o capital internacional, os salvaguarda e objetiva através de políticas públicas, tal como preve a cartilha do Consenso de Washington. Mais que isso condenam todo um povo a miséria por conta da exploração de mercado em mãos de especuladores, preocupados antes de qualquer coisa em ganhar no grande cassino sem nada se importar com o que significa no plano interno das nações o sufocamento dos direitos trabalhistas, de acesso a serviços públicos, entre outros.
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Ainda é cedo para dizer que o governo Morales tem consciência real do tamanho do inimigo, tal como irá por em prática as ações adequadas para combater tal, o que ainda não significa que o peão vai comer o rei. De qualquer forma, é certo que se não desestruturar valores tão caros ao mundo burguês também no plano das consciências, o que prevê sem dúvida uma reforma da própria cultura, que indica uma reforma do próprio homem, estará tudo fadado ao fracasso ou no mínimo conseguirá um lugar no panteão daqueles homens que ameaçados cerraram os dentes e combateram.
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Enfim, trocando em miúdos não basta perturbar a ordem, senão arrasar com a ordem. O grande erro do peão que derruba o rei é se valer da mesma estrutura para governar. Quer rainha, torre, bispo e camponeses. Assim, nacionalizar é um aspecto importante, mas há de se destacar que ao mundo do trabalho é intrínseco e indivisível todo o repertório de exploração. Não é possível ganhar neste jogo preservando o sujeito social: burguês.
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Bolivianos aprovam nova Constituição
por Michelle Amaral da Silva
Esta foi a primeira vez em 183 anos de vida republicana que os bolivianos são chamados a participar de um referendo constitucional .26/01/2009.
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Por Fernanda Chaves e Marcelo Salles,
de La Paz, (Bolívia)
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Apesar de na Bolívia o resultado oficial ser divulgado apenas dentro de 10 dias, após recontagem oficial, o povo boliviano já comemora a vitória do "sim" no referendo constituicional realizado deste domingo (25). As pesquisas de boca de urna realizadas por emissoras de rádio e televisão privadas e estatais apontam para uma votação de 60% x 40% em favor do "sim".
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Esta foi a primeira vez em 183 anos de vida republicana que os bolivianos são chamados a participar de um referendo sobre a Constituição. Nestes quase dois séculos foram convocados apenas 5 referendos, sendo dois deles (40%) pelo governo do presidente Evo Morales Ayma, que completou no último dia 22 três anos no Palácio Quemado.
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Todas as organizações internacionais, juntamente com a Corte Eleitoral Nacional, confirmaram a lisura do processo eleitoral. Os observadores da OEA, Mercosul, Unasur e União Européia foram unânimes em afirmar que o referendo cumpriu com os padrões internacionais e as leis nacionais de maneira exitosa, tendo sido absolutamente respeitada a vontade do povo boliviano.
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Logo após os resultados da boca de urna, os partidários do "sim" lotaram a Praça Murillo, no centro de La Paz, para comemorar. Da sacada do Palácio, o presidente Evo Morales se dirigiu à multidao e afirmou: "Aqui termina o Estado colonial. Acabou o colonialismo interno e externo. Aqui também terminou o neoliberalismo, assim como as riquezas naturais da Bolívia não serão mais propriedade de alguns senhores, mas de todo o povo boliviano".

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