quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

VARRENDO CHIQUEIRO ao Bob

Era pra ser somente mais uma corriqueira e estafante caminhada pelo centro da cidade. Buracos, trânsito abarrotado, sútil ironia. Gás carbônico. Pedestres para todos lados: tomando calçadas, fugindo de carros, em cima dos postes. Detalhes. Apenas, detalhes que a cidade exorta pra quem se atreve a olhá-la. Isso, consequência, também me revolta. Mais que isso, a consciência do quanto este sistema, no qual, estamos inseridos é uma máquina de fábricar miseráveis, loucos, bebados, suicidas, todos vítimas da expropriação, da exploração do capitalista. Vidas arrasadas. Vida? Sútil ironia. Confesso que as minhas frequentes caminhadas pelo centro sempre me deixaram evidente que ali era o "cú do mundo" e quanto mais por ali ando, mais precisa confirma-se a constatação.
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Vejo compondo o cenário a quantidade sem igual de vidas arrasadas espalhadas pela calçada. Famílias inteiras, despejadas da dignidade, de um pedaço de pão dos mais diversos cantos da cidade e país. Me questiono: É disso que faço parte? Não atrevo a resposta. Sei do meu poder de escolha e que poderia saltar a qualquer momento desta loucura. Sei também que não importa onde fosse, em qual rincão me escondesse, em qual árvore no centro da amazônica mata eu subisse, a cidade um dia chegaria em mim ou um avião riscaria o céu. Pasárgada não é a saída.
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Me incomoda notar essas vidas arrasadas. Eu tinha medo do escuro, mas nunca de olhá-las. Falo do outro como se fosse o outro, mas na verdade a distância que nos separa é o custo de algum trocado. Com este eu compro um salgado no boteco da esquina, mato a fome ou a gula. Algum dia eu infarto. Já gastei muita sola pelo centro. E a paisagem não muda: pedintes, famintos, crianças atiradas na jaula sob a prefeitura cercada de grades. Quem está cercado?!?!?! Este contraste deixa pra mim algo claro. Eles chegam escoltados. Porque?!?! Porque aquela menina ali cheira cola?!?!?! Um dia um coquetel molotov vai cruzar essas grades daí os poderosos serão os incrédulos e irão fingir não entender o porque do osso fundo das costelas daquele garoto.
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4000 mil famílias na rua da amargura. Despejo na favela Real. O Poder Público Militar quando não quer ver mata na calada da noite. Arrumaram um artifício pra "limpar a cidade". "Cidade limpa". Limpa de gente. Não é rosto qualquer o dessa gente. Essa gente tem horas de jornada. Tem calos nas mãos. Famílias arruinadas. Daí eles querem limpar, não querem mais ambulante na rua, mais mendigo na rua, mais pobre na rua. É o anti-marketing. Imagem, no fim é só isso com que o Poder Público Militar está preocupado. Mandam a tropa de choque, bombas de gás e pimenta. É este o perfume da cidade de São Paulo. Vivemos na democracia do esgoto do Tietê, nosso cartão postal.
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Tudo isso porque estava estes dias a andar pelo Centro da Cidade? Claro que não. O que me incomoda de verdade é ver ali "O Palácio do Anhangabaú intacto" enquanto gente morre de fome anonimamente nos becos podres da metrópole. O que me incomoda é a bolsa de valores intacta gastando uns milhares com queima de fogos pra comemorar os lucros de 2007 enquanto gente morre de fome anonimamento nos becos podres da cidade. O que me incomoda é um Poder Público que gasta com árvore e decorações de natal, propaganda, terno, aumentos na calada da noite enquanto gente morre de fome anonimamente nos becos podres da metrópole. Me incomoda o Poder Público Militar, miragem que nada tem de público. O que me incomoda é gente que morre de fome. Não importa o cenário. Não se trata de ver. Tem aqui no bairro e noutro ali um bocado de supermercado. Gente morre de fome.
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Na foto comemoraram o promissor ano de 2007, que estava prestes a acabar, com a artificial neve de papéis, o poder do capital. Realmente que preocupação com esta palavrinha que tá na moda: desenvolvimento sustentável. Agora depois de anos queimando combustíveis e arrasando com toda forma de vida o poder das megacorporações, que é político, finge perplexa: "Óhhh precisamos viver conscientemente" ou "Tá vendo você Homem o que fez com o mundo". Daí saem do banco dos réus o Estado, as megacorporações. São todos malandrões: generalizam. Distribuem a culpa e tiram seus cús da mira. Terão todos como custear as máscaras de gás, a água engarrafada. Desenvolvimento Sustentável: Marketing!!! Mais uma vez a aparência. Os administradores de empresas andam lendo muito Maquiavel e investindo na Shell, Petrobrás, no militarismo estadunidense. Vamos fazer nevar, no país tropical. Oswald de Andrade puxaria o gatilho. Severino pularia da ponte da vida. Na brincadeira, provavelmente um guri(a) foi soterrado(a). Ou não teria um cobertor pra noite. Ou não chegaria até à noite. Sempre me pergunto nestas épocas natalinas do ano "novo" que segue um dia após o outro como todos os que se sucedem após 24 horas durante os 365. Desta vez não fui voz solitária. Companhia que anestesia a dor. Quanto gastam com uma decoração de natal?!?!?!?!?! Quanto custa um salgado no boteco da esquina?!?!?!?!?!?!?!
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Alek Sander de Carvalho 2008 01 03

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